quarta-feira, 13 de julho de 2011

Crítica à Música Contemporânea



Tendo em vista o capitalismo adotado como forma econômica para satisfazer as necessidades e assegurar as condições de existência humana, deparamos com o reducionismo das relações sociais figuradas em relações de produção. Isto configura a estrutura da sociedade apoiada na racionalidade de acúmulo de capital. Ora, no que diz respeito ao contraste técnico das indústrias, sua forma padronizada de produção dispersa formas direcionais de organização e planejamento implicando nas formas universais de interesses de consumo. A lógica do sistema torna-se cada vez mais coercitiva conquistando um poder de dominação sobre a sociedade tomando um caráter compulsivo e doentio.

Contaminando toda vida prática humana, a lógica manipuladora do sistema atinge também o campo cultural, infectando toda forma de manifestações e tendências culturais da sociedade, principalmente a música. Mas qual é a causa desta epidemia? Karl Marx já mostrava em seus estudos a origem das classes sociais na medida em que o surgimento de um excedente da produção permitiu a divisão do trabalho através da apropriação das condições de produção por parte de alguns membros, possibilitando, consequentemente, a apropriação privada das condições de produção dividindo os indivíduos em classes de trabalhadores e proprietários desta, vulgo operários e burguesia. Assim também se dá no campo musical, os donos das produtoras e gravadoras adotam a lógica deste sistema e modela-o à seus ideais capitalistas e aplica-o sobre a forma de trabalho acerca do mundo da música. Estes, dominados pela figura de autoridade e pelo sentimento de prepotência e pedantismo enchem suas bocas de “verdades” dizendo sucessores da expansão massificada da cultura musical ao público de forma eficiente e fugaz. Mas na verdade, o fato de que milhões de pessoas participam direta ou indiretamente deste sistema leva aos donos das gravadoras, empresários e os chamados caçadores de talentos disseminarem os bens musicais no esquema de padronização atingindo os modos de satisfação das necessidades dos membros da comunidade. Esta lógica coercitiva apresenta resultados positivos perante a carência dos consumidores, o que permite sua ação de dominação travestida em liberdade sem resistência que, com efeito, explica a unificação do sistema. No que concerne ao método, antes de ser composta, a música perpassa pelo filtro inexorável das categorias pré-estabelecidas pelos donos do comércio de gravação. Para que o compositor possa tornar seu trabalho público é preciso que siga os mecanismos de curto tempo, ou seja, sua música deve ser adequada ao tempo curto de mais ou menos cinco minutos, este tempo é ideal para divulgação nos meios de comunicação principalmente nas rádios que seguem requisitos publicitários. Seguem também, técnicas de arranjos tonais que compõem músicas de acordes perfeitos que não tendem para nenhum movimento dissonante e, suas subdivisões de linhas e refrões que - pela barbárie de sua estrutura letradal, isto é, pelas letras de sentidos superficiais; unidas ao conjunto de versos repetidos em intervalos regulares – permitem com que o ouvinte se identifique com mais facilidade à música proposta. Daí podemos inferir a fácil aceitação dos “estilos”  deploráveis como sertanejo, axé, funk,etc.. 

O próprio juízo estético do gosto que poderia fundamentar o que é bom debilitar-se-ou. Encontramo-nos cercado de músicas padronizadas que não conseguimos julgar com liberdade e com bases qualificadas já que tudo o que nos são apresentados são idênticos, o que nos sobra é a predileção de detalhes bibliográficos e de timbre vocal. A música perde, neste sentido, seu estatuto valorativo, não se julga mediante categorias em si, mas, sim, segundo discografias de moda e pela característica peculiar de acústica da voz, todavia, ambas as categorias são extrínseca à música. Convertemos o valor de bom gosto da música ao sujeito executor; ocorre aqui o fenômeno do fetiche musical.  As reações do público ouvinte desvinculam-se da obra de arte e dirigem-se diretamente ao sucesso acumulado que não pode ser justificado pela espontânea audição, mas, sim, pelo comando dos editores de gravação e dos senhores dos meios de comunicação. Vivemos sobre a forma de vida burguesa. 

 As leis formais que compõem a música contemporânea sucumbem contra a liberdade e subjetividade na era do capitalismo, até aqueles que defendiam a causa, a saber,  os compositores; advogam a favor do esquema autoritário transformando-se em testemunhas do sucesso comercial que alienam e coisificam toda a esfera musical. Mas como pensar neste processo que afasta o ser humano da real natureza, ou seja, de sua consciência e pensar abstratamente num juízo de valor estético – a ponto de se tornar estranha a si mesmo e perder o controle de sua própria atividade? A música contemporânea, como vimos, é afetada pela mudança de valor, isto acontece em virtude da nova racionalidade, a saber, proporcionar entretenimento recusando os valores que concede seu estatuto. A música capitalista preenche as lacunas abertas pelo cansaço de escravos em exigências das atividades industriais. A vida capitalista cria um abismo entre o pensamento crítico e reflexivo sobre estética e o público ouvinte. O prazer que a música de entretenimento causa desobriga o ouvinte de pensar, não há necessidade de uma exigência capaz de julgar as convenções impostas sobre o comércio musical, não só pela conversão de seu valor, mas, outrossim, pelas forças do indivíduo esgotadas pelo trabalho. No que concerne o trabalho exercido no sistema capitalista, a natureza do espírito que reconhece e infere conceitos no tempo; a subjetividade, é travestida pelo mecanismo objetivo oferecido por ele (trabalho) que passa a fazer parte do conjunto estrutural do indivíduo, aliás, ao contrário, o indivíduo passa a fazer parte corporal do processo de produção. Este já não tem espaço para sua consciência ficando um oco que é preenchido pelos momentos parciais que servem como entretenimento retirando toda a sua liberdade e alienando sua consciência. O embotar do espírito acontece porque a diversão escapa a qualquer esforço do trabalho mecanicista tardio do capitalismo, pelo contrário, ela renova as forças do trabalhador que lança à mão o entretenimento para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo, a tal ponto de tornar esta racionalidade uma forma de consciência, ou seja, uma convicção de satisfação que identifica-se como forma de lazer e felicidade. Este fascínio provocado pela música da moda; sua banalização, se estendeu a toda sociedade modificando sua finalidade. A barbárie cínica atinge a figura de ideologia de originalidade. A ilusória convicção da superioridade da música capitalista tem como fundamento a passividade das massas que, em busca de prazer e lazer coloca o consumo da música em oposição às verdadeiras necessidades de quem as consomem.  Todavia, o fetichismo musical não se estabelece somente por meios psicológicos, os novos valores depositados na função da música capitalista evidenciam o aspecto de produto (mercadoria) que norteia o novo sentido da música. Para que o consumidor possa ter acesso a obra de arte é necessário comprar o instrumento de mídia, como por exemplo, cds e dvds, para ouvir o seu trabalho. O que transparece aqui é a perda de mais um requisito do estatuto da música. 

Este é mais um dos segredos do sucesso marcado pela lógica dominante das indústrias de música. O consumidor não só busca o prazer que a obra de arte oferece mas, igualmente, idolatra o dinheiro que gastou na mercadoria para ouvir tal cantor da moda, ou seja, o consumidor que manufaturou o sucesso; ele coisifica e aceita como critério objetivo, não porque o CD realmente lhe agradou, mas por ter comprado. Este novo caráter fetichista encontra-se no valor de troca que cria a aparência do imediato. Esta modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da relação entre a arte e a sociedade. O aparecimento do valor de troca nas mercadorias assumiu uma função específica de coerção. A necessidade imposta pelas leis do mercado conduz à manipulação da estética e do juízo do gosto e à aparência individual da cultura, isto aumenta proporcionalmente na medida em que cresce o processo de alienação do indivíduo. Destarte, encontramo-nos numa era decadente de produção musical, isto não só explica o fato de estilos musicais já mencionados como sertanejo, axé, funk, dentre outros – fazerem tanto sucesso em nossa cultura, como, também, explica a regressão de nossa audição e de nossas inferências estéticas. É graças ao nosso “bom gosto” que compositores como Latino encontra-se nos topos das obras mais vendidas, ademais, sem esquecer que estará representando a cultura de nossa sociedade. Enquanto a cultura estiver sob à luz da racionalidade capitalista, nossos ouvidos se configurarão sob forma de vaso sanitário enchendo-se de fezes cada vez mais fétidas e aqueles que se comprazem com os juízos estéticos irracionais da era capitalista é tão pérfido quanto os provedores desta vergonha.