Vejo
pelo face um emaranhado de recados com o tema amor. O que me preocupa muito,
principalmente quando vejo frases de filósofos que discutem sobre o assunto, é
a visão distorcida que muitos têm a respeito. Ao pensar a relação amor e
indivíduo, não podemos descartar alguns comportamentos e psiques condicionados pela
sociedade vigente.
Influenciado pelas leituras de Marx e um
artigo de Renato Nunes “O Desafio de Amar”,
surge o questionamento sobre a possibilidade de uma relação duradoura que
muitos procuram, mas não encontram e, não vejo outra saída se não pensar uma
ética de relações intersubjetivas opostas às categorias do capitalismo,
constituída enquanto instâncias de alteridade e afetividade.
Para
se ter uma ideia mais clara, analisemos por um instante sob uma perspectiva
ontológica a intersubjetividade. Eros, desejo que leva o indivíduo a sair de
seu estado egocêntrico, necessita do estado de alteridade para que o ego abra
espaço para realização do encontro do outro e procurar o prazer no objeto
desejado, contudo, este desejo não é uma mera vontade de posse e, portanto, um
apropriar-se de coisas, mas sim, um alcance de reconhecimento de si no e do
outro, o que leva a afirmação de existência do ego. Portanto, amar é a extensão
entre dois corpos no reconhecimento de duas consciências que buscam a
construção da identidade, o que não está desvinculada da intersubjetividade e
que se funda na reciprocidade.
O que se encontra em causa aqui é justamente o
fenômeno da alteridade. A sociedade vigente que se ergue diante do ideal
capitalista cria um abismo entre alteridade e o indivíduo. O reducionismo e
abstracionismo em que as reflexões capitalistas se enredam isolam completamente
da essência do ser humano o “sair de si e olhar para o outro” do ego. Na
sociedade vigente, o fio condutor que mantém as relações é a produção de
mercadorias e a geração de lucro, com isso cria-se o fenômeno que Marx chama de
“fetichismo da mercadoria”, que se estende até às relações humanas. Assim como
as mercadorias representam “poderes alquímicos” - a satisfação que advoga a
favor dos comportamentos hedonistas perniciosos, também ocorre entre os seres
humanos. O que afrouxa a perduração de relações humanas. Seres humanos,
impulsionados pelo desejo egocêntrico, sublimam seus interesses na satisfação
imediata que as mercadorias oferecem, por conseguinte, as relações humanas são
travestidas por este desejo individualista. Os indivíduos buscam no outro a
satisfação imediata de seus desejos, quando isto não ocorre, o outro é
descartado, assim como as mercadorias de consumo, afirmando cada vez mais na
essência do ser o egocentrismo que se opõe a autorrealização e na afirmação da
desubstancialidade deste, prejudicando a própria construção do ego, já que este
necessita do “olhar do outro” para apreender-se.
A
inefabilidade desta essência enquanto algo ontologicamente construído em
atitudes voltadas para si mesmo, esvazia o ser de qualquer explicação positiva
quanto ao sentido de alteridade que engaja o ser humano e concretiza sua
existência, as atitudes hedonistas se tornou um imperativo da psique, o que
leva as relações tornar-se cada vez mais ternas e frívolas.
O que esta em jogo aqui é a necessidade do ego
sair de si mesmo em que as categorias capitalistas não estimulam. A existência
de relações duradouras é inerente à ética. O compromisso está vinculado ao
outro, não que isto exija a metrificação de uma relação. A relação duradoura
deve abrir-se no quiasma da espontaneidade e alegria, e não em um formalismo
contratual. Em outras palavras, o amor genuíno é vivido e contaminado da
verdade do outro. Para seres humanos estabelecer-se no amor genuíno seria
necessário pensar uma ética distinta da atual impregnada de reflexões
hedonistas.
Como
diz Pierre Lévi: “Quem não se ama usa os outros para preencher as próprias
deficiências. Busca um ego complementar ao seu”.